10.1.13

Da leitura



As estações de comboio e de metro costumam ser sombrias. Cada pessoa que passa leva a sua história, de onde vem, para onde vai, com um enorme balão de pensamentos junto à sua cabeça. Algumas não levam pensamentos, levam música, alta baixa, calma, de ritmo acelerado em consonância com os seus pés... Não há balões mais bonitos que outros, aqui a subjetividade não entra. Todos têm direito a pensar, a emitir ondas de pensamento que condigam com a sua personalidade. Mas, como tenho direito à subjetividade neste espaço negro que é o meu ecrã, digo que os balões que mais me agradam é o das pessoas que vão absorvidas pelo seu livro.
Sair de casa a correr, chegar à estação onde se apanha metro, comboio, paragem de autocarro, aeroporto, etc. Abrir a mala (para os minimalistas, o saco de pano ou o não-saco que são as suas próprias mãos), olhar para a capa (seja ela do livro impresso ou a que protege o seu leitor eletrónico) e lembrar-se do livro que tem estado a ler em cada minuto em que lhe parece apropriado. Numa sequência fulminante, as cenas e rostos imaginados das personagens passam-nos à frente da cabeça, atrás, não interessa, atualizando-nos da intriga apresentada ali.
Quando não acontece prontamente, abre-se no sítio em que se deixou pendurada a história (uns leem por capítulos, eu pessoalmente leio até me cansar e paro abruptamente), ao ler três, quatro palavras, a atualização ou a ligação com a história é restabelecida e somos atirados ao maravilhoso mundo que o autor nos criou, para nos entreter e fazer esquecer que estamos no Cais do Sodré, lado a lado com fumadores sobre o cais (com letra minúscula). Pela força do hábito, já sabemos quais as escadas subir, qual a porta a abrir e que lugar tomar, de preferência do lado em que apreciaremos as águas, primeiro do rio e depois do mar, vice-versa no sentido oposto. Esses são momentos em que descanso do livro, o pouso sobre o colo e admiro a parte mais bela do trajeto; se a história estiver num diálogo arrebatado ou qualquer outro tipo de ação de colar a vista ao papel, perco essa fase da viagem, sabendo que amanhã lá passarei, mesmo que a luz já não seja a mesma, lá passarei.
Há alturas do dia ou carruagens do comboio em que ler é uma atividade coletiva e cada balão apresenta um tema diferente. Não vejo balões nem leio pensamentos, mas vejo espelhado nos rostos de quem lê as palavras, frases, trechos que formam um universo único pela forma como se apresenta. Inúmeros fatores formam aquela interpretação num momento único. Porque, se se voltar a ler aquilo mais tarde, mesmo que seja no mesmo comboio, a interpretação será diferente. Caso vos pareça exatamente igual a outra situação, desenganem-se. Ou então não evoluíram de todo (será possível? sim, isso é o que penso de certas atitudes).
Há uns belos anos atrás, arriscaria a dizer uns seis, poucos liam nos transportes públicos. Nem a revista Caras. Não sei se era pelo poder esparso económico (talvez, mas hoje em dia é pior), se pelo receio de expor os seus interesses aos olhos curiosos da autoridade pública que é o vizinho do lado. Também não percebo o hábito de forrar o livro para que ninguém mais possa saber qual foi o título que lhe ofereceram barra compraram barra requisitaram na biblioteca (isto ainda existe?); felizmente, é uma realidade agradável, olhar ao longo da cobra metálica e ver sobressair todo o tipo e formato de livros das mãos dos passageiros. Observar os outros é algo que todos fazem e pouco mal tem, mas prefiro levantar os olhos apenas para descansar e não para admirar o look dos que me rodeiam. Já me bastam os cheiros emanados e misturados pela concentração num espaço confinado. Ah, há seis anos as pessoas já andavam em metros de 3 carruagens? Que me lembre, não.

 
(imagem daqui)


Fechar o livro significa ter chegado ao local de destino. Por vezes, é uma irritação, porque precisamente quando estava a ficar interessante, temos de fechar o livro, pois caminhar a ler ao mesmo tempo não calha bem com a cidade que temos.