26.9.12

A bela da não-queda de bicicleta



Desta vez, saiu de casa com a sua bicicleta e não caiu. Tomou mais cuidado com os impulsos dos pés nos pedais para sentir melhor a consistência do piso e a ressonância do comportamento das rodas. Desta feita, decidiu descer até ao centro da cidade.
 (imagem retirada da net)
E se eu descer esta rua de sentido proibido? Vou em cima do passeio, só para evitar encontros desagradáveis, depois meto pela movimentada avenida. São agora 11h da manhã e o trânsito é calmo. Há muitos carros de serviço encostados na faixa da direita; mil quatro piscas ligados até onde a vista se perde. Apesar disso, descer isto é mesmo fixe, sinto a adrenalina a subir em proporção ao vento que bate na cara. Nem preciso de pedalar. Vou aqui na minha, mais ou menos ao centro da via, porque ali atrás houve um fulano que abriu a porta do carro depois de estacionar e nem olhou. Bolas, foi mesmo por um triz. Com bicicleta nova e tudo! Bem, agora aqui nesta parte é que tenho de ter cuidado. É que não estou nada habituada a partilhar a via com carris. Sei que eles estão à espera que eu me arme em heroína e os passe da mesma forma como mudei de faixa de noite, lá para os Nortes da Europa. Estou mesmo a ouvi-los: "olha para esta, daqui a nada beija-nos a superfície luzidia!". Abrando e ignoro os seus gritos, assim como os olhares de admiração dos transeuntes e dos machos latinos que têm sempre um comentário na ponta da língua quando passa alguma mulher. E neste caso de bicicleta! Que admiração, credo! Mas continuando, a meio da minha manobra meticulosa, passo um e outro carril, gentil e agradavelmente, apenas para contornar este quatro piscas da BMW. E ouço: cuidado, olha que vais com as rodas no chão! Devia haver uma coima para estes piropos descabidos e dignos de um QI negativo.
Sacudo o desprezo da mente e constato que estou pela primeira vez no centro da cidade de bicicleta, sentindo um friozito de contentamento na barriga. Quero lá saber que olhem! Toma toma, sou peão e veículo ao mesmo tempo. Basta saltar da bicicletaaaa! Se está vermelho para veículo, passo como peão, subo o passeio, desço passeio, pedalo na estrada, travo na estrada, entro para as pracetas e respeito os peões como me respeito a mim mesma.
O mundo é meu!
Acalma-te, vá, faz lá o que vinhas aqui fazer que ainda tens de fazer um percurso inverso. Talvez hoje eu mereça uma medalha de Coragem Extra, por ter sido capaz de andar sobre o negro asfalto. É uma pequena maluquice, o passe expirou e só preciso de o carregar para o mês que vem, portanto, não vou ficar enterrada em casa à espera do início do mês! A bicicleta está aí para isso mesmo. Um tanto a medo, fui e regressei sem prejuízo de maior, com um "até já" voltado para esta pequena viagem ao mundo agitado da cidade, que, apesar de repleta de armadilhas, não me implorou que caísse.

24.9.12

A bela queda de bicicleta




A primeira vez que saiu de casa com a bicicleta, caiu. A calcada escorregadia e cheia de obstáculos fê-la estrear-se no chão. Pensou para consigo que esta ideia de ter um comportamento mais responsável no que toca ao ambiente talvez não fosse assim tão genial. Comprou uma bicicleta através de um anúncio de usados, com o intuito de passear, de fazer exercício e poupar uns meses de transportes públicos. Perderia tempo de leitura, ganharia uns músculos mais tonificados. Porém, a queda apresentou-lhe uma das primeiras dificuldades: a cidade de Lisboa não estava preparada para a circulação de bicicletas; pelo menos não tão bem quanto as cidades do Norte da Europa. Na sua íntima opinião, a cidade de Lisboa nem sequer está bem preparada para a circulação de automóveis. Os passeios são feitos de um material escorregadio; a disposição das ruas é pré-histórica. O ambiente rústico das ruas não se adequa a outro meio de transporte para além das ditas pernas, principalmente nos pequenos bairros (ou inclinados!). Sem nada, calcado confortável e anti-derrapante, mochila e nem pensar em carrinhos de bebé.
(foto retirada da net)
Adiante. Está na hora de me levantar. Talvez tenha de voltar a casa para trocar de roupa. Não, parece que os danos são nulos. Mas que maçada! A bicicleta ficou com uns riscos. Enfim, marcas das dores de crescimento desta nova fase. Onde é que eu ia mesmo? Ah, tenho de levar estas roupas à associação. Depois vou cortar o cabelo e, se der, parar para tomar um cafezito e ler o jornal. Talvez devesse escrever sobre esta minha experiência de cair de bicicleta. Ninguém viu, ainda bem, mas e se eu caísse em plena estrada ou ciclovia? Será que me acudiriam? No Norte de Europa isso aconteceu-me. Pelo menos três homens vieram ter comigo e perguntaram-me se eu estava bem... Caso estivesse à procura de namorado, teria sido a oportunidade ideal, mas fiquei cheia de vergonha. Como era de noite e eu não tinha luz, não vi que a ciclovia tinha um pequeno desnível em relação ao passeio de peões... Ao passar de um para o outro, com o ângulo incorrecto, dei conta que estava no chão. Portanto, duas regras muito importantes de uma queda só: usar luz durante a noite e ter atenção aos desníveis.
Em Portugal, os desníveis são outros. Subir uma calcada é um desporto radical. Por isso é que os idosos teimam em andar pela estrada (meios rurais), em vez de subirem o passeio.
Ok, não vou olhar apenas para os aspectos negativos da cidade. Cada vez que me sento num banco da Duque d'Ávila, admiro os vários utilizadores da ciclovia. São variados e todos deviam ostentar uma medalha de Coragem! E a todos aqueles que partilham os asfalto negro com os automóveis, esses! Deviam ostentar uma medalha de Coragem Extra.
Eu cá vou experimentando devagarinho. Ainda ontem vi uma pasteleira a derrapar numa rua de calcada larga. Era uma rapariga. Também ela devia ostentar uma medalha, porque podia ser eu no lugar dela. Mas não, ela nao caiu.