As estações de comboio e de
metro costumam ser sombrias. Cada pessoa que passa leva a sua história, de onde
vem, para onde vai, com um enorme balão de pensamentos junto à sua cabeça. Algumas
não levam pensamentos, levam música, alta baixa, calma, de ritmo acelerado em
consonância com os seus pés... Não há balões mais bonitos que outros, aqui a subjetividade
não entra. Todos têm direito a pensar, a emitir ondas de pensamento que
condigam com a sua personalidade. Mas, como tenho direito à subjetividade neste
espaço negro que é o meu ecrã, digo que os balões que mais me agradam é o das
pessoas que vão absorvidas pelo seu livro.
Sair de casa a correr, chegar à
estação onde se apanha metro, comboio, paragem de autocarro, aeroporto, etc. Abrir
a mala (para os minimalistas, o saco de pano ou o não-saco que são as suas
próprias mãos), olhar para a capa (seja ela do livro impresso ou a que protege
o seu leitor eletrónico) e lembrar-se do livro que tem estado a ler em cada
minuto em que lhe parece apropriado. Numa sequência fulminante, as cenas e
rostos imaginados das personagens passam-nos à frente da cabeça, atrás, não
interessa, atualizando-nos da intriga apresentada ali.
Quando não acontece
prontamente, abre-se no sítio em que se deixou pendurada a história (uns leem
por capítulos, eu pessoalmente leio até me cansar e paro abruptamente), ao ler
três, quatro palavras, a atualização ou a ligação com a história é
restabelecida e somos atirados ao maravilhoso mundo que o autor nos criou, para
nos entreter e fazer esquecer que estamos no Cais do Sodré, lado a lado com
fumadores sobre o cais (com letra minúscula). Pela força do hábito, já sabemos
quais as escadas subir, qual a porta a abrir e que lugar tomar, de preferência
do lado em que apreciaremos as águas, primeiro do rio e depois do mar,
vice-versa no sentido oposto. Esses são momentos em que descanso do livro, o
pouso sobre o colo e admiro a parte mais bela do trajeto; se a história estiver
num diálogo arrebatado ou qualquer outro tipo de ação de colar a vista ao
papel, perco essa fase da viagem, sabendo que amanhã lá passarei, mesmo que a
luz já não seja a mesma, lá passarei.
Há alturas do dia ou carruagens
do comboio em que ler é uma atividade coletiva e cada balão apresenta um tema
diferente. Não vejo balões nem leio pensamentos, mas vejo espelhado nos rostos
de quem lê as palavras, frases, trechos que formam um universo único pela forma
como se apresenta. Inúmeros fatores formam aquela interpretação num momento
único. Porque, se se voltar a ler aquilo mais tarde, mesmo que seja no mesmo
comboio, a interpretação será diferente. Caso vos pareça exatamente igual a
outra situação, desenganem-se. Ou então não evoluíram de todo (será possível?
sim, isso é o que penso de certas atitudes).
Há uns belos anos atrás,
arriscaria a dizer uns seis, poucos liam nos transportes públicos. Nem a
revista Caras. Não sei se era pelo poder esparso económico (talvez, mas hoje em
dia é pior), se pelo receio de expor os seus interesses aos olhos curiosos da autoridade
pública que é o vizinho do lado. Também não percebo o hábito de forrar o livro
para que ninguém mais possa saber qual foi o título que lhe ofereceram barra
compraram barra requisitaram na biblioteca (isto ainda existe?); felizmente, é
uma realidade agradável, olhar ao longo da cobra metálica e ver sobressair todo
o tipo e formato de livros das mãos dos passageiros. Observar os outros é algo
que todos fazem e pouco mal tem, mas prefiro levantar os olhos apenas para
descansar e não para admirar o look dos que me rodeiam. Já me bastam os cheiros
emanados e misturados pela concentração num espaço confinado. Ah, há seis anos
as pessoas já andavam em metros de 3 carruagens? Que me lembre, não.
(imagem daqui)
Fechar o livro significa ter
chegado ao local de destino. Por vezes, é uma irritação, porque precisamente
quando estava a ficar interessante, temos de fechar o livro, pois caminhar a
ler ao mesmo tempo não calha bem com a cidade que temos.
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