Desta vez, saiu de
casa com a sua bicicleta e não caiu. Tomou mais cuidado com os impulsos dos pés
nos pedais para sentir melhor a consistência do piso e a ressonância do
comportamento das rodas. Desta feita, decidiu descer até ao centro da cidade.
(imagem retirada da net)
E se eu descer esta rua de sentido proibido? Vou em cima do passeio, só
para evitar encontros desagradáveis, depois meto pela movimentada avenida. São
agora 11h da manhã e o trânsito é calmo. Há muitos carros de serviço encostados
na faixa da direita; mil quatro piscas ligados até onde a vista se perde. Apesar
disso, descer isto é mesmo fixe, sinto a adrenalina a subir em proporção ao
vento que bate na cara. Nem preciso de pedalar. Vou aqui na minha, mais ou
menos ao centro da via, porque ali atrás houve um fulano que abriu a porta do
carro depois de estacionar e nem olhou. Bolas, foi mesmo por um triz. Com
bicicleta nova e tudo! Bem, agora aqui nesta parte é que tenho de ter cuidado.
É que não estou nada habituada a partilhar a via com carris. Sei que eles estão
à espera que eu me arme em heroína e os passe da mesma forma como mudei de
faixa de noite, lá para os Nortes da Europa. Estou mesmo a ouvi-los: "olha
para esta, daqui a nada beija-nos a superfície luzidia!". Abrando e ignoro
os seus gritos, assim como os olhares de admiração dos transeuntes e dos machos
latinos que têm sempre um comentário na ponta da língua quando passa alguma
mulher. E neste caso de bicicleta! Que admiração, credo! Mas continuando, a
meio da minha manobra meticulosa, passo um e outro carril, gentil e
agradavelmente, apenas para contornar este quatro piscas da BMW. E ouço:
cuidado, olha que vais com as rodas no chão! Devia haver uma coima para estes
piropos descabidos e dignos de um QI negativo.
Sacudo o desprezo da mente e constato que estou pela primeira vez no centro
da cidade de bicicleta, sentindo um friozito de contentamento na barriga. Quero
lá saber que olhem! Toma toma, sou peão e veículo ao mesmo tempo. Basta saltar
da bicicletaaaa! Se está vermelho para veículo, passo como peão, subo o
passeio, desço passeio, pedalo na estrada, travo na estrada, entro para as
pracetas e respeito os peões como me respeito a mim mesma.
O mundo é meu!
Acalma-te, vá, faz lá
o que vinhas aqui fazer que ainda tens de fazer um percurso inverso. Talvez hoje
eu mereça uma medalha de Coragem Extra, por ter sido capaz de andar sobre o
negro asfalto. É uma pequena maluquice, o passe expirou e só preciso de o
carregar para o mês que vem, portanto, não vou ficar enterrada em casa à espera
do início do mês! A bicicleta está aí para isso mesmo. Um tanto a medo, fui e
regressei sem prejuízo de maior, com um "até já" voltado para esta
pequena viagem ao mundo agitado da cidade, que, apesar de repleta de
armadilhas, não me implorou que caísse.
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